Psicóloga, educadora perinatal e doula (um tipo de assistente de parto, que tem o foco no bem estar da gestante). Com 37 anos, Adelita Monteiro luta há aproximadamente 4 anos para que todas as mulheres tenham o direito à informação e saibam tudo sobre os benefícios e riscos dos diferentes tipos de parto: normal, cesárea e humanizado (parto natural sem intervenções). Mãe de uma menina que nasceu por meio de um parto normal na Irlanda, e de um menino que nasceu de parto humanizado em São Carlos, ela criou o Premaf (Parto com Respeito e Maternidade Ativa Franca). Ela e outras mães que tiveram experiências decepcionantes e em alguns casos até traumáticas nos partos buscam que todas as gestantes tenham seus desejos respeitados, independente do procedimento que decidirem seguir.
Enquanto morava na Irlanda, onde viveu por alguns anos com o marido, Adelita teve seu primeiro parto. Na ocasião, de acordo com ela por desconhecer o parto humanizado e todos os riscos das intervenções que ela considera invasivas, a psicóloga optou por um parto normal. Tomou oxitocina - droga responsável por acelerar as contrações - teve a bolsa rompida e anestesia aplicada. O parto, que demorou aproximadamente 12 horas, lhe deixou com dores e uma infecção de urina que a manteve no hospital por mais três dias depois do nascimento da primeira filha. “Isso tudo aconteceu sem eu saber que a anestesia poderia prejudicar até a minha filha.”
Dois anos depois, quando havia retornado ao Brasil, Adelita optou pelo parto humanizado e conseguiu realizar o desejo de ter o filho da forma mais natural possível. “Defendo que todas nós mulheres temos o direito de decidir o procedimento que vamos seguir, sem toda a pressão da sociedade, família e, especialmente, da equipe médica.”
Trabalhando com gestantes no seu consultório, em outubro de 2015, ela optou por fazer um curso de doula em São Paulo. Desde então acompanhou cerca de 10 gestantes, todas de Franca, e garante que cada uma dessas experiências foi marcante.
Nesta semana, a doula esteve na Câmara Municipal para defender a aprovação do projeto de lei que permite a presença de doula nos hospitais da cidade. O objetivo é que cada dia mais mulheres tenham acesso ao parto humanizado, sem enfrentar quaisquer problemas para isso.
Em entrevista ao Comércio, ela falou sobre os preconceitos relacionados ao parto humanizado, o progresso do movimento na cidade desde a sua criação, em 2015, e os motivos que a levaram a abraçar essa causa.
Você costuma dizer que a principal luta de vocês é para que as mulheres tenham o direito de escolher como serão seus partos. Quais as principais diferenças entre os procedimentos humanizado, normal e a cesárea?
O parto humanizado na verdade é aquele em que os desejos da mulher são levados em conta, em que os desejos da mulher são respeitados. É ela quem decide o que quer e tem suas solicitações atendidas e suas decisões respeitadas. Por exemplo, se optar pelo parto humanizado e se, mesmo sabendo das consequências, a gestante decidir por tomar a anestesia, esse é um direito dela. Mas isso vai acontecer ela estando ciente de tudo e isso é importante. Nas décadas passadas cultuou-se a dor do parto humanizado, mas esqueceram de dizer que no caso da cesárea, as mulheres correm três vezes mais risco de morte e os bebês dez vezes mais risco de morte e complicações respiratórias. É uma cirurgia de risco e as mulheres precisam saber dessa realidade, elas têm esse direito. Já no caso do parto normal, o que queremos é que as gestantes sejam orientadas de como a oxitocina, responsável por acelerar as contrações, o rompimento artificial da bolsa e até a anestesia agem no organismo. Somente cientes de todos os benefícios de cada procedimento e os riscos é que as mães poderão escolher exatamente o que desejam.
Qual o papel da doula durante o parto?
A palavra doula vem do grego e significa “mulher que serve”. O nosso papel é oferecer informações, conforto, encorajamento, tranquilidade e suporte emocional e físico para a gestante. As pessoas precisam entender que as doulas não realizam nenhuma intervenção no parto, apenas oferecemos conforto emocional - através do carinho e de apoio -, e físico, orietando sobre técnicas de respiração e massagens que as ajudam a passar de forma menos dolorosa por esse momento. Muitos confundem as doulas com as antigas parteiras e não tem qualquer ligação. Antigamente as parteiras eram responsáveis pelos partos e nós não temos envolvimento com o nascimento em si, esse processo é feito pela equipe médica.
O que é preciso para ser uma doula?
As doulas não precisam de curso superior. É necessário apenas um curso de 50 horas, já que não realizamos nenhum tipo de intervenção, apenas o acompanhamento. Atualmente em Franca, seis mulheres atuam como doulas.
Em 2015, quando o Premaf foi criado, os hospitais ainda não aceitavam os partos humanizados. Em 2014, quando você teve seu segundo filho, o seu parto foi feito em São Carlos exatamente por isso. Qual a realidade atual das maternidades da cidade?
Hoje eu posso dizer que, em Franca, só o Hospital e Maternidade Regional e o Hospital Unimed estão mais abertos às negociações para que as doulas acompanhem partos, inclusive com vários casos já realizados.
A busca pela conscientização das mulheres é um movimento relativamente novo e ganhou força nos últimos três anos. Ainda existe preconceito por parte dos médicos quanto ao procedimento?
Alguns ainda têm bastante resistência por não entender exatamente o procedimento, ou não entender o papel da doula, achando que podemos invadir o seu espaço ou até mesmo atrapalhar, mas a cada dia mais médicos estão se abrindo para as vontades das mulheres e entendendo que elas têm o direito de escolher. Com o empoderamento e as informações chegando mais longe e mais rápido, a tendência é que o parto humanizado evolua e seja a opção de mais mulheres. Penso que hoje muitos profissionais ainda não estão preparados para o parto humanizado, mas acredito na mudança.
Qual a importância da aprovação do projeto de lei que permite a presença das doulas nos hospitais da cidade?
A lei vem para incentivar e motivar a mudança. A partir da lei, a informação chegará para mais mulheres e elas passarão a ter curiosidade e buscar seus direitos. Muitas nem sabem que direitos têm nem quais são as diferenças básicas entre os partos. A aprovação da lei vai nos ajudar nisso, tornando o assunto mais popular e obrigando os hospitais a permitir a presença das doulas.
Você acredita que os hospitais, incluindo os públicos como é o caso da Santa Casa, estão preparados para receber os partos humanizados?
Não estou dizendo que será fácil e um processo rápido, mas é possível, sim, que com mudanças nas estruturas e treinamento das equipes os hospitais estejam aptos para receber os procedimentos. São necessárias mais salas de pré-parto, salas com mais espaço. E essas mudanças acontecerão lentamente, sabemos que não é por que a lei será aprovada agora que amanhã chegarão dez gestantes com doulas, será um processo gradual. E nesse meio tempo os hospitais poderão se preparar para recebê-las. Além disso, haverá a contrapartida, pois as doulas ajudam a tirar o peso da equipe médica, afinal, já haverá alguém ajudando com o acompanhamento. Por isso, não vejo nenhum prejuízo e só benefícios para os hospitais.