Vieram no ventre de nuvens distantes. Tão distantes, que nem a mais inspirada pitonisa seria capaz de idealizá-las em seu transe de início de primavera.
Mas chegaram, afinal.
Arautos abriram-lhes o caminho.
Portando espadas luminosas que riscam horizontes em zigs e zags, canhões de luz e de som em incríveis coreografias de fosforescências lineares e estrondos esféricos, chicotes e adagas capazes de ferir e de rasgar a noite e fazer dela uma aurora instantânea, coriscos tonitruantes atravessaram distâncias. Assim, entre centelhas, trombetas e tambores, vieram eles, mensageiros das águas.
Aqui, a expectativa. A conhecida sensação dos que aguardam com ansiedade um nascimento.
A gravidez foi longa demais, discreta demais. Ninguém via crescer o ventre das nuvens. Viam-se e sentiam-se, apenas, o peso do céu cinzento, encardido (no barrado horizontal, a princípio; depois, em toda a extensão da túnica); a aspereza do ar ressecado, o desbotamento do verde... Grande era a angústia, a apreensão.
Só as maritacas e as sibipirunas pareciam perceber alguma coisa boa no ar. Só elas pareciam captar o que estava a caminho, e que não tardaria.
Os cantos estridentes, os voos matinais, em bando ou aos pares, os reencontros vespertinos, as longas e animadas conversas... denunciavam mais alegria prévia do que agonia ou preocupação. E os tapetes amarelos, luminosos, solares, cuidadosamente estendidos sobre e sob as copas das árvores, também sinalizavam preparativos de festa, e festa de gala.
E eis que seus ventres enormes surgem no horizonte.
Lentas, pesadas, elas se aproximam. Suas dores de parturiente são promessas.
Elevam-se olhos e anseios e expectativas.
Então, ouve-se o choro. Um choro diferente, líquido, rítmico, forte, que ecoa e escoa nos campos, cantos e vielas do mundo: choro de vida, de ventre que se abre e se derrama em bênçãos de rio nascido do céu.