-Anda, pai... vem...
- Espera a jardineira parar, diacho.
Na lateral do ônibus existe frase em letras garrafais: Franca, terra do melhor café do mundo. Ele faz a curva devagarinho, e ninguém parece ouvir o bi-bi-bi inusitado de sua buzina.
- Anda, pai... vem...
- Espera, diacho.
Quando, enfim, o ônibus estaciona no ponto, crianças e adultos descem apressados, misturam-se ao povo que quase enche a Praça da Estação. A maioria dos presentes é criança. Os maiorzinhos tentam desvenciliar-se dos cuidados paternos enquanto os menorzinhos seguram com força a mão do pai, ou se aninham em colos.
Todas as crianças estão de olhos arregalados pela expectativa.
De repente, lá longe, atrás da Cotai, a Maria Fumaça grita sua chegada, e o apito do trem acende os corações infantis. Alguns meninos e meninas conseguem se desprender dos pais, tentam se aproximar da estação. Ocorre confusão grande.
Depois de um século, o trem para, despeja passageiros, engole passageiros, apita longamente, vai embora para Covas, para Guapuã, para o Indaiá, para Pedregulho...
Então aparece o Papai Noel na porta da Mogiana. O prefeito Onofre Sebastião Gosuen cumprimenta o visitante, tira retrato com o velhinho de barba branca, de roupas vermelhas. Poucos que chegaram mais cedo e conseguem um lugar lá na frente vêem os acontecimentos de perto.
Com dificuldade embarcam Papai Noel numa baratinha, e a custo abrem passagem no meio do povo. O carro começa a se movimentar lentamente e, lentamente, desce e sobe toda a Rua da Estação, até a Rua do Comércio. Só para diante da Casa Betarello.
Parece que, no cortejo, vão todas as crianças da cidade. Por isso, a Rua do Comércio fica entupida de gente. Algumas pessoas acompanham a bandinha uniformizada, cantam em voz alta:
Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
Bem assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel...
..................................
- Que é isso, vô? Pirou? Cantando na rua... o Natal tá longe...
Chico Franco leva susto, mas o rapazote já vai longe, não percebe nem a surpresa nem o constrangimento do velho que, instintivamente leva a mão direita à aba do chapéu, na intenção de descobrir-se.
- Hein? O quê ?
A jovem balconista, à porta de estabelecimento onde existiu a Casa Cometa, estivera observando e ouvindo, curiosa, o velho que falava sozinho no meio da rua. Testemunha a irreverência do rapaz, condói-se, aproxima-se do homem de roupas esquisitas: terno branco, gravata, chapéu, bengala em que se apóia.
- Bom dia, senhor. Está tudo bem?
- Muito bom dia, jovenzinha.
- Está tudo bem?
- Está... está... Só estou meio desnorteado. Quem sabe a menina pode me auxiliar? Qual é a sua graça?
- Minha o quê?
- O seu nome.
- É Natália.
Natália, eu estou procurando a casa dos Irmãos Minervino.
- Nunca vi falar não. O senhor procura no ouro quarteirão... Nesse aqui não é não.
- A menina Rita sabia que a primeira vez que o Papai Noel veio a Franca foi em 1957?
- Nossa... não sabia não... eu nem era nascida... Desculpe, mas eu tenho que trabalhar.
A vendedora retorna à loja, fica espiando o homem que caminha pelo calçadão. Fala com seus botões.
-Credo! Parece doido... Falando em Papai Noel, procurando loja que não existe. Credo em cruz.
Persigna-se e começa a arrumar caixas nas prateleiras.