Numa casinha maltratada, bem no meio do Ceará, se lá você quiser entrar, mantenha a cabeça abaixada, procure não fazer nada, e não ache que é exigência, mas não cometa a imprudência, de logo na entradinha, ou no forro da cozinha, esbarrar sua inteligência.
Lá, no rabo da tarde, chegou um moço estropiado, o corpo inteiro cansado, dizendo minha testa arde. Não querendo fazer alarde, mas com o peito diminuído, sem fazer nenhum ruído, a irmã o deitou na cama, disse tem aqui alguém que te ama, mas me conte o acontecido.
O nome dele era Raimundo, tempão que andava distante, tinha dado loucura de viajante, e apanhara muito neste mundo. Mas o que doía no Raimundo, e a irmã já ia assuntar, foi um beijo que ele não pode dar, e mais uma coisa ali que combinada noutra aqui, deu no que vamos contar.
Mas antes, a irmã bem preocupada, chamou a filha Bernardina, a que tinha a canela muito fina, para dar uma estirada, correr longe na estrada, chamar o famoso Doutor Bento, especialista em todo tipo de tormento: febre amarela, azulzinha ou cor de rosa, ou qualquer doença misteriosa que a gente não tenha entendimento.
Ali ficou a irmã com seu irmão, o violão encostado, todo sujo e desafinado, desgostoso de canção. Ela pegou sua mão, sentiu que a vida ali era rala, mas ainda lhe restando a fala, pediu que ele narrasse o desenroscar daquele enlace, para poder tranquilizá-la.
- Minha irmã, você me conhece, sabe como eu me comporto, que até os olhos entorto, quando uma mulher bonita me aparece. Você sabe o que acontece, a altura que vai a minha rima, e quando ela despenca lá de cima, por mais que não queira a razão, ela acerta em cheio o coração, que na mesma hora desatina. Essa mulher era mais doce que o mel, e mais bonita, eu acho, de tudo o que está em baixo, e do que está acima do céu. Eu que andei tanto ao léu, foi diante dela que aconteceu, meu coração tão sacudido estremeceu, e eu disse a ela qual seria a minha sorte, quão repentina seria a minha morte, se não ganhasse um beijo seu.
- O que ela disse meu irmão? - perguntou a irmã interessada.
- Disse: pra mim beijo não é nada. Vou te dar minha sina e minha mão. É seu o funcionamento do meu coração, é seu o desejo que me invade, minha melhor mentira e minha pior verdade, tome para você meu passado e meu futuro, meu pensamento mais santo e o mais impuro, faça de mim o que quiser tua vontade.
A irmã, diante daquilo tudo, perguntou ao grande repentista:
- O que você respondeu, meu artista?
- Não disse nada, fiquei mudo.
E isso então foi tudo. Raimundo não esperava tanto agrado. O violão foi ficando cada vez mais de lado, porque mais custoso que perdoar, tão mais difícil que amar, é ter coragem de ser amado.
Quando finalmente o doutor chegou, Raimundo já estava falecido. Pra ficar bem convencido, Doutor Bento atentamente examinou. Foi quando uma prima perguntou:
- De que morreu esse nosso parente?
Como quem consulta o intimo da mente, o doutor se pôs a declarar:
- Não há o que duvidar. Este homem morreu de repente.