Praticamente finda a época das floradas dos ipês amarelos. A intensa coloração das flores simples, contrastando com o céu de imenso azul do inverno, vai aos poucos se transmutando em tons amarronzados tendendo à sépia e, sem que percebamos, o espetáculo da natureza fica apenas em nossa alma.
Minha avó me ensinou a notar os ipês reais. Luiz Cruz de Oliveira me ensinou a notar os ipês metafóricos. Minha alma aprendeu a amar os ipês. Os ipês são a representação dos versos de Renato Teixeira: “O simples resolve tudo”.
Ipês são metáforas perfeitas das almas de gentes que descobrem a sensibilidade e o quanto ser sensível é, ao mesmo tempo, imprescindível e doloroso.
A planta se recolhe durante todo o ano. Nas aragens dos cerrados, em meio a terras muitas vezes pedregulhosas, nutre-se do que tem ao alcance das suas raízes e folhas: um pouco de água, orvalho, determinação e obstinação. Internamente ela se organiza e constrói. Segue o tempo, passando indiferente ao que ocorre. Calma, a planta espera. Vem o inverno, o frio, a seca, a adversidade. As folhas caem e, quando tudo parece perdido, os galhos tortuosos e mirrados explodem em flores intensas.
De onde vem a beleza senão dos campos distantes dispersos no sem-fim da alma? O belo é a fusão da alma e dos olhos: a alma desenha os contornos do imaginado, os olhos choram.
Como viver em paz ou em desassossego consciente quando não se pode conhecer a dimensão do belo, do essencial, do profundo, do recanto mais humano dentro do labiríntico ser humano?
Encolho-me diante da angústia. Recordo-me do Mito da Caverna revelado pelo filósofo e a maldição que a reflexão revela: o despertar é pessoal e intransferível. Não se transfere sensibilidade. Não se ensina sensibilidade. O máximo que os mais temerários podem fazer é lançar provocações ao vento e aos corações.
Sônia Machiavelli e Luiz Cruz de Oliveira andaram lançando suas provocações em uma ousada Mostra Literária. Um amigo que visitou a exposição comparou o varal de poemas coloridos de Sônia às tibetanas bandeirolas que esvoaçam no altíssimo Himalaia, em um espetáculo de exortação e beleza. Talvez Luiz Henrique tivesse mesmo razão. Por essa trilha, podemos encontrar a tradição Lama Mani de narração de parábolas feita por contadores de histórias os quais associam ao seu contar a música e a pintura para levar informação às massas populares.
É a desmistificação da ideia de arte para poucos. De cultura para poucos. Arnaldo Antunes já advertiu:
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?...
A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte...
Ipês, Luiz e Sônia se transmutaram em coragem e abriram um importante capítulo na História da Cultura Francana. Implicitamente disseram, com toda a liberdade, que a licença poética lhes permite: “Fica decretado que a cidade de Franca, berço de centenas de escritores e poetas, reunir-se-á anualmente em seresta e cantará a palavra dos nossos. Assim como o ipê nos enleva com suas flores e ao fim, lança suas sementes ao vento, também nós semearemos nossa palavra, como um tributo ao futuro da nossa gente.”
Bendita seja a sua palavra. Ave, Palavra!