Destravo a manivela, solto o balde, ele desce velozmente até o fundo da minha cisterna de incertezas. Ouço o chuá, espero um pouco, e começo a fazer esforço. Rodo a manivela, o sarilho solta gemidos, enquanto a corda se enrola na trave de madeira.
Quando o balde alcança a boca luminosa, seguro-o pela haste, puxo-o, descanso-o sobre a tábua que tampa o buraco.
Enfio uma caneca no balde, ela volta com um gole de dúvida.
Enfrento-a.
- Você leu muito, por isso é uma pessoa culta?
- Pessoa culta, eu? Não, não. Cada vez, sei menos.
Outro gole, outra indagação.
- Alguma aprendizagem?
Acontece, acontece, sim. Mas só de quando em quando. E mínima.
A dúvida é curiosa, pergunta do sapato, do paletó.
- Roupas, bebidas, automóvel? Não, nada disso pesa muito. O que visto, o que calço, o que ingiro esclarecem quase nada.
- E o seu texto?
- O que escrevo? Ah, ilumina pouco, muito pouco. Menos que lâmpada pequena em poste fincado no último quarteirão da periferia.
- E o magistério?
- A minha aula ? Também é luz ínfima, só archote tremulando em meio à borrasca.
- E então...?
- Então ? Então o quê? É só isso. Todas essas coisas informam, mas são insuficientes, não revelam retrato pleno, não definem por inteiro a minha identidade. O que existe, de fato, além do esboço, eu não mostro. Nunca.
- Oculta por quê ?
- Por quê? Ora, porque tenho medo, tenho vergonha. Nunca me dispo completamente.
Chega, cansa-me esse diálogo de um só.
Despejo um balde de água na terra, olho para o céu. E fico à espera do nascimento de uma plantinha verde.
Ele virá. Sei que virá.