Quando entro no estabelecimento comercial do Hormízio, há duas pessoas de pé, aguardando atendimento. Três outras estão sentadas diante de um balcão de vidro, sendo atendidas pelos filhos do proprietário e por uma moça bonita. Observo que todas experimentam armações de óculos.
Ao me ver na fila, um dos rapazes fala em voz alta:
- Pai, vem atender o professor.
Dois minutos depois, um homem desce lentamente a escada que conduz ao mezanino.
- Que deseja, professor?
- Pode atender as moças, eu espero. Estou aposentado, tenho tempo. E também eu só vim reclamar.
- Reclamar? Reclamar de quê?
- Dos óculos que você me vendeu. Não são bons não.
- Como não? O que que aconteceu?
- Veja aqui. Eu só deitei em cima deles e olha o que aconteceu, ficou tudo amassado. Não consigo ver mais novela, não vejo mais jogo.
O homem atrás do balcão toma os óculos de minha mão, examinas hastes cuidadosamente, conclui:
- É... tá danado. Vou ver o que posso fazer. Não vai ser fácil. Não posso garantir muita coisa não. Acho que você está com excesso de peso.
- Será?
- Estou quase certo que sim. Mas deixa os óculos aqui e volte depois do almoço. Vamos fazer um esforço pra ver se você não perde o capítulo da novela.
Saio, observando, com o rabo do olho, o sorriso disfarçado que se esboça na cara dos fregueses.
Luiz Cruz de Oliveira, professor, escritor, membro da Academia Francana de Letras