Chegou tão cedo e tão leve que me deixou em dúvida: seria voluntária aquela vinda, ou conduzida pela brisa? Concedeu seu pouso às flores do manacá, ainda úmidas: gesto de breve descanso ou flutuar interrompido?
Reparei nas asas, só agora plenamente abertas, fechando a agonia da noite, as feridas da carne exposta ao frio. Trazia o sol nascido naquelas duas pétalas de seda-bálsamo que, sem reservas, se ofereciam à manhã. Flor libertada de outra árvore? - talvez. Quem sabe um punhadinho de névoa, dourado aos primeiros raios?
Observei, a me olharem, grandes olhos, rasos, sem pupilas, sem retina, sem abismos; olhos de aquarela, dispostos acima e abaixo, nas asas. Não, não me olhavam, permitiam-me olhares.
Ficou ali um breve tempo, ocupada em recolher algum néctar, gota de noite sabendo a luz, ou mel de lua recendendo a sol nascido. Depois se foi, silenciosa, filha e semente da manhã, grão alado de seu pólen.
Tive impulsos de perpetuá-la, em canto, em verbo, em sintaxe... Mas como transcrever a essência daquilo que, pulsando em essência mesma, é todo silêncio? Só olhos e alma sem peso são capazes de dizer olhos e alma dessas criaturas levíssimas. Borboletas são silêncio, cor e fugacidade; transluz; música sem som, nas vindas e na vida.
Foi-se. E com ela se foi o primeiro louro lume de meu dia. Os outros, sem guia, se perderam no branco, como o azul se perde na espuma.
Eny Miranda, médica, poeta e cronista