Quando eu não mais cantar um tango, apenas cinco ou seis pessoas (por demais próximas, sensíveis por demais) ouvirão os acordes do bandoneon esquecido entre pó e trastes lá no quartinho, no fundo do quintal.
Quando eu não mais fizer das linhas e das entrelinhas do papel cordas de harpa, apenas cinco ou seis pessoas enxergarão a ausência definitiva de tinta, a aposentadoria compulsória da caneta.
Quando minha rebeldia e meu grito restarem brisa passeando pelo pomar, sussurrando suavidades por entre as folhas, lá na copa da lembranceira, apenas cinco ou seis pessoas se sentarão à sombra da árvore, à espera da florada.
Quando a polpa de meus dedos não mais viajar, explorando reentrâncias e protuberâncias, eriçando pelos, acordando pele, parecerá que desamei. E apenas minha mão estará adormecida, meu corpo quieto, pleno de tanto amor ter dado.
Quando chegar o momento de tudo recomeçar, lá, bem lá no ponto final do ilusório, por um momento estará mais triste o triste cantar dos canarinhos do reino. Os pássaros imprimirão tonalidade outra, mas a canção nova será percebida por apenas cinco, seis pessoas.
Que o mundo surdo e cego não sabe que os canários são.
Que o mundo não ouve a canção que insiste.
O mundo não sabe que dói o silêncio do tango, o silêncio do canarinho.