Um dia sob ovações e rosas de alegria
Jogaram-me de repente
Da prisão em que me achava
Para uma prisão mais ampla
Foi um cavalo de Troia
A liberdade que me deram
Havia serpentes futuras
Sob o manto do entusiasmo
Um dia jogaram-me de repente
Como bagaços de cana
Como palhas de café
Como coisa imprestável
Que não servia mais pra nada
Um dia jogaram -me de repente
Nas sarjetas da rua do desamparo
Sob ovações e rosas de alegria
Sempre sonhara com a liberdade
Mas a liberdade que me deram
Foi mais ilusão que liberdade
Irmão sou eu quem grita
Eu tenho fortes razões
Irmão sou eu quem grita
Tenho mais necessidade
De gritar que de respirar
Mas irmão fica sabendo
Piedade não é o que eu quero
Piedade não me interessa
Os fracos pedem piedade
Eu quero coisa melhor
Eu não quero mais viver
No porão da sociedade
Não quero ser marginal
Quero entrar em toda parte
Quero ser bem recebido
Basta de humilhações
Minhalma já está cansada
Eu quero o sol que é de todos
Quero a vida que é de todos
Ou alcanço tudo o que eu quero
Ou gritarei a noite inteira
Como gritam os vulcões
Como gritam os vendavais
Como grita o mar
E nem morte terá força
Para me fazer calar
(Poema escrito em 1956.)
Nota do Autor
Na década de 70,o jornalista francano Geraldo Campos de Oliveira,um dos fundadores da Associação Cultural do Negro em São Paulo, participou de Congresso Mundial do Negro realizado em Roma.Nesta época o poema Protesto era a coqueluche paulistana, declamado em toda parte. O jornalista,segundo nos disse quando de volta ao Brasil, apresentou -o à apreciação do festejado poeta Aimé Cesaire,da Martinica, que o achou muito bom e importante.Anos depois Aimé Cesaire foi presidente da Martinica. Alguns ativistas e literatos me disseram que o poema foi traduzido para o inglês,alemão e francês. Eu não vi nenhuma dessas traduções. O grande geógrafo Milton Santos comparou-o ao famoso discurso de Martin Luther King Jr I Have a Dream. Há muitas referências ao poema Protesto; é só pesquisar. Eu as desconheço pois há tempo vivo no interior do estado de São Paulo, fora dos eixos culturais mais significativos do País.